segunda-feira, 21 de abril de 2008

[Tre]



A chuva não pára de cair. O vento fustiga as árvores. Nem reparo no mau tempo. No meu coração é sempre Inverno.
Vou buscar o carro e parto sem destino. De pensamento vazio, vagueio, às voltas com as curvas da vida.
Ando, ando, ando, qual autómato dirigido aleatoriamente pelas ruas da cidade. Quando dou conta, o carro parou. Olho para o lado e vejo o cemitério, escuro e frio. Estranhamente, é o sítio onde sinto mais calor, mais proximidade, mais familiaridade. Os meus passos guiam-me, certos e vigorosos. Sem vacilar. Como se soubessem, desde o momento em que saí de casa, onde quero ir. Paro em frente de uma campa branca, com girassóis e malmequeres nos vasos. Um pouco de sol naquele dia cinzento.
Um pouco de paz na luta desenfreada que travo dentro de mim, sem possibilidade de tréguas, sem capacidade para reconhecer o inimigo que me ocupou a alma. A culpa como outra face de mim.
Arranjo automaticamente as flores, sacudo as pétalas caídas. Como se cumprisse um ritual.
Ainda não consegui deixar de me perguntar o porquê e como é que não te tenho perto de mim; como consigo permanecer quando já nada me prende aqui; como me permito sobreviver sem ti.
Trouxe de casa a bola perdida e pouso-a: como sempre reencontraste-a. E a mim quem me ajuda a reencontrar-te?
Parou de chover. Talvez já tenha parado há algum tempo. Os meus sentidos estão entorpecidos pela perda. Nada mais lhes é permitido sentir, pensar, querer.
No meu coração vai ser sempre Inverno.

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