O sol já vai alto quando a fadiga me permite despertar desse torpor, dorido no corpo, na alma e exausto pelas investidas das recordações e pelos desacertos da vida.
Tantos planos tinha para a nossa vida, que nem contei com os planos que a vida poderia ter para nós.
Olho em volta e vejo-te na mesa da cozinha, com bigodes de leite, a molhar as bolachas na caneca, o leite derramado na mesa; vejo as marcas da tua altura, que medíamos todos os meses e marcávamos no vão da porta; vejo os teus lápis de cor espalhados pela mesa da salinha, com um desenho meio acabado; vejo-te a descer as escadas aos sábados de madrugada para veres os teus desenhos animados preferidos; ouço as tuas risadas, as tuas perguntas, os teus porquês.
Não consigo suportar a tua ausência. Não quero ter que sentir mais saudade. Não posso permitir.
Com um sorriso a aflorar os lábios, aceito a vitória que a vida me está a oferecer, apesar de me ter derrotado em várias batalhas. Dou uma última mirada àquele espaço que, no passado, tanto me completou e que, agora, parece vazio de vida e desço à garagem. Sempre a sorrir. Sempre me disseram que tinhas o meu sorriso.
Os vizinhos, alarmados pelas ausências, pelos jornais acumulados na porta da frente, arrombaram o portão da garagem. Os pés, com a movimentação brusca de ar, giram muito lentamente, sob o peso do corpo que pende do tecto.
Ouvem-se sussurros, comentários em voz baixa e grave, terminando o silêncio estranhamente pacífico e até acolhedor daquele lugar, agora que a sua luta silenciosa findou. Estão perante um homem que parece mais desperto, mais vivo com a sua caminhada agonizante, que há muito anunciava o seu fim, do que algum dia o esteve depois do dia do acidente. Um peso inquantificável recaía sobre os seus ombros, impedia-o de levantar os olhos do chão, de sorrir, de prosseguir, preso nas malhas sufocantes da sua culpa.
Tantos planos tinha para a nossa vida, que nem contei com os planos que a vida poderia ter para nós.
Olho em volta e vejo-te na mesa da cozinha, com bigodes de leite, a molhar as bolachas na caneca, o leite derramado na mesa; vejo as marcas da tua altura, que medíamos todos os meses e marcávamos no vão da porta; vejo os teus lápis de cor espalhados pela mesa da salinha, com um desenho meio acabado; vejo-te a descer as escadas aos sábados de madrugada para veres os teus desenhos animados preferidos; ouço as tuas risadas, as tuas perguntas, os teus porquês.
Não consigo suportar a tua ausência. Não quero ter que sentir mais saudade. Não posso permitir.
Com um sorriso a aflorar os lábios, aceito a vitória que a vida me está a oferecer, apesar de me ter derrotado em várias batalhas. Dou uma última mirada àquele espaço que, no passado, tanto me completou e que, agora, parece vazio de vida e desço à garagem. Sempre a sorrir. Sempre me disseram que tinhas o meu sorriso.
Os vizinhos, alarmados pelas ausências, pelos jornais acumulados na porta da frente, arrombaram o portão da garagem. Os pés, com a movimentação brusca de ar, giram muito lentamente, sob o peso do corpo que pende do tecto.
Ouvem-se sussurros, comentários em voz baixa e grave, terminando o silêncio estranhamente pacífico e até acolhedor daquele lugar, agora que a sua luta silenciosa findou. Estão perante um homem que parece mais desperto, mais vivo com a sua caminhada agonizante, que há muito anunciava o seu fim, do que algum dia o esteve depois do dia do acidente. Um peso inquantificável recaía sobre os seus ombros, impedia-o de levantar os olhos do chão, de sorrir, de prosseguir, preso nas malhas sufocantes da sua culpa.
Agora, na curva da morte, a escolha do seu fim faz, finalmente, cessar a dor de uma perda intolerável, deixa-o repousar, e acabar assim a sua história, um final escrito com um sorriso a iluminar o seu rosto.