segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Sino


Levanto a cabeça e encaro Seus olhos. Acusam-me, mesmo da cruz. Que perdão poderei esperar? O vitral coa a luz do sol, tornando-a vermelha como a brasa incandescente que não se apaga. Como a chama e o calor que esta noite senti bem dentro de mim.
Levanto-me, rogando para que Ele receba a minha confissão. Por minha culpa, minha tão grande culpa… Ajoelho-me uma vez mais e saio. A claridade dos raios de sol atordoam-me e o calor que o dia carrega enclausura-me dentro de mim. Uma prisão dentro de outra. Por minha culpa.
Percorro a alameda e o meu olhar prende-se nos muros do convento. O céu, mais do que azul, emana uma luz prodigiosa, quase sobrenatural. Lembro-me de mergulhar os teus olhos, de navegar a tua boca, de percorrer todos os centímetros do teu corpo, adormecer imersa em ti e acordar submersa em nós. Por minha tão grande culpa.
Hoje, o hábito pesa-me na alma, como se todo o peso do mundo estivesse confiado a estas vestes. O tecido é incendiado pela chama do meu corpo, embebido pelas labaredas incessantes que sinto no teu chamamento. Por tua culpa. E por minha culpa. Envolvemo-nos sem promessas nem limites, sem nos termos para não nos perdermos, tanto que não nos demos que não mais nos encontramos. Tão grande culpa.
Sento-me no mesmo banco de pedra, frio como o teu rosto no beijo da despedida, e abro a Bíblia, como tantas vezes fiz à procura de respostas. Quando me alcançaram, tu vieste e mudaste-me as perguntas.
Vejo alguém aproximar-se, com as vestes pretas e brancas ondulando com a brisa que empurra mais este fim de tarde. “Irmã Sara”, chama, “mais um dia que nos foi concedido, com a graça do Senhor”. “Assim é, Irmã Clara, assim é”. Os nossos vestígios inconscientes ainda presentes na minha alma desesperam a minha consciência, desafiando-a, perpetuando-a, como que à espera do necessário desenlace. Como se te carregasse comigo para a eternidade, imortalizando-te nesta minha escolha.
Está a tocar para as Vésperas. Só me resta esperar que desça sobre mim o Seu divino perdão.

2 comentários:

J disse...

Este tema está muito em voga, não haja dúvida.

C disse...

não sejas mau valter :)

tá mt bem, citrina :p